A delegada Danielle Garcia, uma das grandes revelações da política sergipana, quase venceu as últimas eleições para prefeitura de Aracaju. Hoje presidente do Podemos em Sergipe, articula uma participação determinante do partido em todo o estado. Ela conta com exclusividade à Realce sobre suas visões para o estado de Sergipe.
Delegada, gostaríamos de saber, por que a senhora decidiu entrar para a política?
Essa é a pergunta em que fui mais questionada a eleição inteira. Eu nunca tive essa pretensão. Meus pais nunca foram políticos, eu nunca vivi na política, apesar de ter tido um tio que foi prefeito de Estância, deputado federal e estadual, mas eu nunca vivi a política com o meu tio muito próximo; a minha vida foi sempre muito de estudar, fazer faculdade, fazer concurso.
Na polícia – eu tenho 20 anos de delegada – eu passei os últimos 9 anos no combate à corrupção no Deotap (Departamento de Crimes contra a Ordem Tributária e Administração Pública), todos lembram daquelas operações grandes que a gente fazia, e aí, naquele momento, político para mim era um bicho estranho, sabe? Eu só lidava com o tipo de político naquele momento, que tinha problema com a justiça, com a polícia: a visão que eu tinha do político era muito ruim. O tempo foi passando, eu saí da Deotap da forma como saí, todos acompanharam, a pedido do ex-governador Jackson Barreto, porque a gente estava numa grande investigação, chegaria provavelmente em pessoas grandes, e ele pediu que o chefe de polícia me exonerasse, o chefe de polícia entregou o cargo; foi ao Secretário de Segurança Pública, ele também entregou o cargo. E foi uma saída muito traumática. A partir dali, eu comecei a ter a certeza que as coisas só mudam com a política, infelizmente ou felizmente. Eu como delegada posso dar o melhor de mim na minha atuação, o médico pode dar o melhor de si ali no posto, no hospital, porém, só com a política é que a gente consegue implementar políticas públicas para o cidadão, é que a gente consegue mudar o rumo da história do nosso povo. Acho que a ficha caiu depois que eu saí da Deotap, e isso é um link interessante.
Costumo dizer, que nunca pensei na política, tanto não pensei que que em 2018 após a minha saída [da Deotap] fui convidada por vários partidos e não me sentia, enfim, preparada ou mesmo disposta a entrar na política, nunca foi esse o meu objetivo. E estar na política hoje me dá uma tranquilidade de saber que foi uma decisão com calma, com tempo, pensada, não foi nada açodado, nada com raiva porque saí da Deotap da forma como saí, então é algo muito tranquilo hoje na minha vida, e repito: não tenham dúvida de que a gente só muda as coisas, só transforma a nossa sociedade através da política, da boa política, e é isso que eu me disponho, me predisponho a fazer.
Quais pontos você acredita que foram primordiais para você não tenha vencido a eleição para prefeitura de Aracaju?
Tem palpite para tudo: “Ah, é porque você escolheu o vice tal, fez coligação com tal partido, é porque o marketing foi ruim”. Bom, talvez tudo isso tenha contribuído negativamente ou positivamente. Eu ainda acredito que o grande lance da eleição é você lutar contra as duas máquinas, a gente tinha um prefeito em reeleição, aliado de um governador que também colocou a máquina à disposição para ganhar essa eleição. Então, é muito difícil, para quem está jogando um jogo limpo, dentro das regras do jogo, com recurso limitado, lutar contra quem está se utilizando das máquinas, inclusive isso é crime, a gente fez diversas denúncias, entrou com ações na época. É um jogo desigual.
Um dia desses me perguntaram: a senhora é a favor da reeleição? Veja, eu preferia que a reeleição não existisse no nosso país, eu acho que não é justo você estando no poder, com a máquina, tendo um milhão de cargos à sua disposição, você concorra com outro candidato que não tenha as mesmas armas que você. É como se tivesse um duelo: um com um fuzil e o outro candidato com uma garrucha, e ainda por cima enferrujada. É muito desigual o jogo. Mas apesar de desigual, eu penso que a gente fez uma excelente campanha: chegar em segundo turno, que ninguém acreditava, eles não acreditavam, achavam que ganhariam em primeiro turno – chegarmos no segundo turno e termos 110 mil votos na capital foi excepcional. Claro, isso não me exime da responsabilidade de rever aquilo que poderia ter sido melhor, eventuais erros que teriam sido cometidos, mas acho que o saldo é muito mais positivo do que negativo.
O ex-senador Valadares fez uma crítica a você recentemente dizendo que você escondeu Valadares Filho nas eleições. O que você tem a dizer sobre isso?
Não teve isso. Na verdade, Valadares Filho esteve comigo em todos os momentos, em absolutamente todas as carreatas, todos os encontros. O que o grupo estratégico definiu, e ele fazia parte desse grupo, é que Danielle Garcia precisava se fazer conhecida em todos os cantos, e que a TV ainda é o meio – ou pelo menos foi na última eleição -, mais acessado pela população. A gente tem comunidades aqui que as pessoas não têm acesso a internet tão fácil como em outras cidades maiores, mais desenvolvidas. A gente precisava se fazer conhecida em toda a Aracaju, e os programas eleitorais seriam centrados na figura da candidata a prefeita, e assim foi feito. O primeiro programa que a gente gravou, gravamos juntos e daí em diante só foi a delegada Danielle. “Ah, escondeu o senador, escondeu não sei quem…” – não escondemos ninguém. A protagonista daquele momento era a Danielle.
Eu respeito o pensamento do ex-senador Valadares, que é uma pessoa muito querida por mim, talvez ele tenha discordado de fato pela estratégia – em alguns momentos ele chegou a comentar sobre com gente, mas Valadares Filho participou de absolutamente tudo, inclusive me ligou no dia seguinte a entrevista do pai, e me disse: “Olha Danielle, eu não concordo com isso, se eu for questionado realmente eu vou dizer que nada disso aconteceu”, realmente é uma coisa que o próprio Valadares Filho pode falar. Participamos de 78 carreatas, não teve uma carreata que Valadares Filho não estivesse comigo.
Delegada, recentemente você assumiu o Podemos em Sergipe. Há especulações de que você poderá disputar algum cargo majoritário. Há alguma verdade nisso?
O partido tem interesse numa candidatura a deputado a federal, todos partidos têm, afinal é o candidato a federal que define fundo partidário, tempo de TV… O Podemos já vinha há um tempo conversando com o ex-presidente Zezinho sobre essa candidatura a federal, mas segundo a executiva nacional essa construção não ocorreu, e aí é óbvio que os partidos em todos os estados mapeiam os que podem ser potenciais candidatos a federal nas próximas eleições, então, tinham Danielle Garcia no radar. Me procuraram me perguntando se eu toparia ir para o partido; eu fiz algumas observações: que toparia, é um partido que é minha cara nas pautas, presidido por uma mulher, mas eu busco o meu protagonismo, eu precisaria ter a presidência do partido, não gostaria de receber o partido com dívidas passadas, precisaria do partido limpo para andar daqui para frente, e me comprometo a construir essa chapa de federal forte, se for o caso, colocando o meu nome.
O cenário está muito aberto. A gente já tem dois candidatos a senador postos aí no cenário político, e eu não veria nenhum problema também de disputar a vaga do senado contra essas duas pessoas. Essa construção de qual cargo Danielle vai disputar vai depender de diversos fatores, nós estamos montando o nosso grupo do Podemos, algumas pessoas vão ficar outras pessoas vão sair, muitas vão vir, e eu acho que essa construção deve ser feita em grupo, não é uma decisão só minha, e para satisfazer apenas Danielle Garcia. Então a gente tem que ouvir as pessoas que vêm para o Podemos, algumas delas têm pretensões, e a gente tem que conciliar tudo isso. E temos que ver a questão das regras da Reforma Política que está para ser aprovada agora em outubro, que também vai ser um fator importantíssimo para que a gente possa definir os cargos a serem disputados.
Você diz que não queria receber um partido com dívidas. Dívidas morais, manchas de corrupção, não é?
Eu falo de dívidas nos dois sentidos. O Podemos incorporou um outro partido, e existia uma dívida desse partido que foi incorporado. Por conta dessa dívida, o partido não recebe fundo partidário, por exemplo. Então tem uma série de complicadores. Eu gostaria muito que a gente pudesse desenvolver as atividades do partido e crescer o protagonismo dele aqui. Para isso, a gente precisa de uma sede, se deslocar para o interior, montar os setores: Podemos Jovem, Podemos Mulher, Podemos Diversidade, Podemos Esporte. Para organizar tudo isso eu precisava que o partido desse condições.
Mas óbvio, eu tenho uma história na política, mais até na polícia, de combate à corrupção, de muita seriedade, transparência, de foco no cidadão, então eu gostaria de caminhar com pessoas que tenham esse mesmo pensamento. Acho que essa é a nossa grande “ideologia”. Vamos fazer o certo, o bem, dar o melhor de si para o outro, não para satisfazer um ego pessoal, não para ter um salário no final do mês, mas para que a gente realmente possa ser útil nessa conjuntura estadual que a gente vive, e que todos sabem: a gente tem um estado super atrasado, PIB negativo, educação sofrendo, passando vergonha nacional, uma saúde que está na UTI. É isso que a gente não quer, e é contra isso que nós vamos lutar.
A gente tem vários nomes sendo especulados para o senado em Sergipe. Agora Washington “Coração Valente”, declarou publicamente que é candidato ao senado. Você tem um relacionamento muito próximo com Washington, será que poderíamos ter uma troca, você vindo para federal e Washington indo para o senado?
Washington seria muito bem-vindo. Eu estou, no bom sentido, namorando para que ele venha para cá, ele ainda não tem partido, tem conversado com algumas pessoas. Mas acho que a gente tem um perfil muito parecido, um cara aguerrido, trabalhador, um empreendedor – e como é difícil empreender na nossa cidade -, então, se Washington vier para cá, maravilha. Quando eu falei que de conversar com o grupo é exatamente isso: cada um tem as suas pretensões, e a gente tem que construir isso em conjunto. Definido o time, a gente ver as habilidades de cada um, onde cada um pode jogar melhor. Washington é jogador e ele entende isso.
O que você acredita que os deputados federais de Sergipe devem fazer pelo estado e pelo país?
Nós temos 8 deputados federais em Sergipe, não temos nenhuma mulher, primeira coisa: acho que a gente poderia quebrar esse paradigma. São deputados que já vêm em mandatos sucessivos, a gente vê sempre as mesmas velhas práticas, aquela coisa de mandar emenda para o prefeito que é amigo, e aquele prefeito mais na frente vai devolver os votos. Olha, não é esse o tipo de política que eu gostaria de fazer. Já que o deputado tem a sua disposição esse cabedal de emendas, nós precisamos ver realmente qual é a necessidade da população, onde precisa mais se desenvolver. Outra: temos uma atividade parlamentar legislativa que precisa ser ressaltada, o cargo de deputado não é apenas para mandar emenda e fazer um link com o prefeito do interior para no futuro esses votos retornarem para o candidato, a gente precisa entender que as leis do nosso país são feitas por esses deputados, e esses deputados estão trabalhando em quê? Em que sentido? Reclamamos muito da legislação penal, tributária, mas pouco se faz ou discute; é nesse sentido que eu vejo a atividade de um deputado federal: uma pessoa que vai ser guardiã do arcabouço jurídico que nós temos para reger as nossas vidas.
E paralelo a isso, já que existe as emendas, não utilizar essas emendas em troca de favores, cargos e ligação com o prefeito, mas para trazer benefícios para toda a população. Nós temos 75 municípios em Sergipe, eu não posso escolher 10 em que os prefeitos são meus aliados e esquecer dos outros, sobretudo os que ficam nos rincões mais distantes do estado e precisam de tudo.
“Ou a oposição se une para sair como bloco, ou sai fragmentada, assim como o bloco governista também vai se fragmentar e penso eu que aí fragiliza todo mundo. Se for fragmentado pode ter certeza que o Podemos vai sair com candidato à majoritária.”
A gente percebe que, hoje, não há um candidato da oposição. Na verdade, a base do Governo Belivaldo que deverá se dividir. Com esse cenário, você pretende disputar as próximas eleições aliada a oposição, ao candidato de Belivaldo ou a outros remanescentes do próprio governo?
Uma coisa que eu tenho muito clara na minha vida política é: nós não vamos com os “valdos”, nós não vamos com quem está aí há 30 anos, a gente quer construir uma boa política, uma nova política. Eu estou falando de boas práticas na política. Me perdoe a franqueza, mas é tão ridículo ver pretensos candidatos a governador com um “pires” na mão, pedindo: “governador, me escolha!”. Isso beira o ridículo. Não é assim que a gente quer fazer política. Vai haver um racha. Ou será que aquele que está dizendo “governador, eu estou aqui!” vai ficar satisfeito se não for escolhido? É uma forma na minha opinião equivocada de fazer política. Eu não quero estar com esse grupo, eu quero estar contra esse grupo que tanto atraso trouxe para o nosso estado.
Eu sou daqui, nasci em Aracaju. Me lembro que na eleição passada, até dizer que eu não era daqui, era forasteira, que minha mãe vivia num asilo e eu maltratava minha mãe – minha mãe participou da campanha, com bandeira na mão. Então, o jogo é muito sujo. Eu quero estar contra essas pessoas. Se eles vão se dividir, se multiplicar lá na frente, ressurgir, não sei. Sei que sou contra essas pessoas. Outra coisa, da mesma forma que eu não tenho cargo definido a ser disputado na eleição, não se surpreenda se eu também me colocar como candidata a governo, por que não? Eu posso estar em qualquer posição, o Podemos pode lançar candidato a qualquer coisa, ou a todas as coisas. Mas uma coisa é clara: ou a oposição se une para sair como bloco, ou sai fragmentada, assim como o bloco governista também vai se fragmentar e penso eu que aí fragiliza todo mundo. Se for fragmentado pode ter certeza que o Podemos vai sair com candidato à majoritária.
Há possibilidade, caso Valmir de Itabaiana confirme candidatura a Governo, de você galgar com ele?
A história de Itabaiana é uma história interessante, Itabaiana parece que é um oásis em Sergipe. É uma cidade desenvolvida, que gera emprego e renda, que tem um PIB alto, inacreditável. Ela vai na contramão da história de Sergipe. E veja que Valmir de Francisquinho é um político que rompeu uma bolha que era dividida entre dois grupos, dois grupos políticos muito bem definidos há muitos anos, e ele vem e rompe essa bolha e passa a governar Itabaiana de uma forma diferenciada. Nós estivemos com Valmir, até porque o PL municipal esteve conosco na última eleição, nós tivemos uma visita de cortesia lá, conversamos, na conversa ele não se colocou como pretenso candidato a governo ainda, assim como eu ele está com uma série de questionamentos a fazer, decisões de grupo, mas eu penso que Valmir seja realmente uma boa opção para se contrapor – não se se juntar a eles. Como eu disse, serei sempre oposição a esse grupo [governista], então se Valmir tiver do lado de lá, também serei oposição a ele.
Qual sua avaliação sobre o Governo de Sergipe?
Os números do nosso estado falam por si, muito além de uma coisa pessoal minha contra o governo. Nós temos uma das piores educações do Brasil, nosso IDEB é o único do país que vai dar negativo, todos os estados vão crescer e o IDEB vai dar negativo, a gente não gera emprego e renda na mesma velocidade do que estados vizinhos; temos um turismos completamente defasado, parece que o Nordeste é um mapa em que se pula Sergipe, você ou vai para Salvador ou para Alagoas, e Sergipe não faz parte da rota turística do Nordeste. Somos litorâneos, temos um cânion maravilhoso internacionalmente conhecido. Então, nós vamos na contramão da história. O que eu faria diferente: eu acho que talvez a política que tenha se estabelecido em nosso estado tenha sido a política do “toma lá, dá cá”, daquele empregozinho miúdo, distribuição de cargos e empregos para os amigos do rei, ou políticas assistencialistas que se aproveitam da situação dos mais pobres para deixá-los ainda mais pobres e dependentes daquilo. Eu acho que a gente tem que pensar num estado desenvolvimentista, gerar emprego e renda, trazer indústrias, trazer fábricas, capacitar nossa população. Educação é uma coisa importantíssima; São Paulo está entre os cinco melhores IDEBs do Brasil, e com a pandemia ele calcula que vai levar 10 anos para recuperar o que foi perdido. Imagine Aracaju, quanto tempo não vai levar, que já vínhamos com um déficit anterior? Sou mãe, a minha é professora e a gente sabe o quanto a educação é importante para que as pessoas se desenvolvam, cresçam, que empreendam.
Eu visualizo muito um estado que traga desenvolvimento, que gere emprego e renda, que tenha uma carga tributária compatível, que auxilie os empreendedores a quererem empreender. E aí a gente acaba vivendo sendo um estado que vive apenas de cargo em comissão, e mesmo que vivêssemos assim, não teríamos cargo para todas as pessoas, precisamos fazer com que elas se capacitem, com mão de obra qualificada, dando estrutura. É assim que a gente deveria caminhar, e tenho certeza que não é assim que o nosso estado caminha há muitos anos.
Agora trago essa mesma pergunta para Aracaju: qual sua avaliação sobre a gestão de Edvaldo Nogueira?
Eu preciso dar dois bons exemplos para avaliar: Hospital de Campanha – virou caso de polícia, Hospital Nestor Piva – acabou incendiado depois de 10 notificações dos corpos de bombeiros, verificou-se a questão dos ar condicionados, que não existia a preparação contra incêndio. Isso é a cara do prefeito, uma gestão desorganizada, que não zela pelo dinheiro público, que não se presta à transparência, que não está atenta aos preços, aos valores justos do que se paga. Para mim, esses exemplos são o retrato do governo de Edvaldo. E é interessante que na época da eleição o que se viu de máquinas trabalhando, Edvaldo ganhou e as obras pararam. As praças, eu me lembro, na campanha eles mandavam pintar, hoje, choveu o mato cresce, a gente pode muito mais do que isso.