Dados da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) mostram que mais de 800 municípios brasileiros têm seus serviços de saneamento privatizados. Em 2013, esse número era de apenas 213 cidades, representando um crescimento de 292% em comparação com 2023.
Essa tendência de privatização, segundo especialistas, está atrelada ao discurso de muitos políticos que defendem que a gestão privada traria melhorias e redução de custos nos serviços de saneamento. Em Sergipe, o governador Fábio Mitidieri (PSD), conhecido por seu modelo de administração privatista, tem trabalhado para entregar de bandeja a Deso ao setor privado, prometendo reduzir as contas e universalização. No entanto, as experiências em outros lugares no país e no mundo mostram que tais promessas frequentemente não se concretizam.
Em 2000, Manaus privatizou seus serviços de água e esgoto com promessas semelhantes de universalização e melhoria. Mais de duas décadas depois, 75% da população ainda não tem acesso à rede de esgoto, e quase 80% dos dejetos sanitários da cidade são despejados diretamente nos rios, sem tratamento adequado. Segundo o ranking anual do Instituto Trata Brasil, a capital está entre as 20 grandes cidades do país com o pior saneamento, ocupando a 83ª posição entre 100 municípios em 2023.
Para Edson Aparecido da Silva, sociólogo e secretário executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), a privatização falha porque opera sob uma lógica puramente lucrativa. “A privatização não leva à universalização dos serviços de água e esgoto porque isso obrigaria empresas a atender áreas que não são economicamente viáveis”, explica Silva. “Sanear uma favela, por exemplo, envolve investimentos significativos em urbanização, algo que as empresas privadas não estão dispostas a bancar.”
Além disso, Silva ressalta que as concessionárias de água e esgoto priorizam o lucro, o que pode colidir com o direito à água, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010. “Esse direito prevê o fornecimento de água mesmo para quem não pode pagar. E que empresa vai querer prestar um serviço se não vai receber?”, questiona Silva.
Observando o cenário global, muitas cidades, estados e países têm revertido a privatização dos serviços de água e esgoto. Desde 2000, 393 serviços foram reestatizados, conforme o monitoramento da entidade holandesa Transnational Institute (TNI). Entre as cidades que reverteram a privatização estão Berlim, Paris, La Paz, Maputo, Jacarta e Buenos Aires. “O Brasil está na contramão”, alerta Silva.
Com o leilão da Deso marcado para setembro, em São Paulo, Sergipe também estará na contramão e ainda mais distante de promover a universalização dos serviços de saneamento.