Por Paulo do Valle
A chamada “PEC da Blindagem” não é uma emenda: é um atentado. Um pacto de impunidade, uma declaração de guerra à justiça e um insulto à dignidade nacional. Trata-se de uma manobra política covarde e calculada, que busca cinicamente proteger uma casta de poderosos de qualquer consequência por seus atos.
A expressão já carrega em si o peso de sua torpeza. E a comparação com a “era dos gângsteres” não é recurso literário: é uma acusação direta. Estamos diante da institucionalização do crime, da licença para roubar, da coroação da vilania. Nos anos 30, Al Capone e seus pares operavam acima da lei, comprando juízes e silenciando opositores. Hoje, deputados brasileiros tentam recriar esse mesmo cenário, só que com assinatura oficial no Diário Oficial da União.
O mais incógnito deputado do centrão acessou, no mínimo, R$ 40 milhões em emendas PIX. Esse valor obsceno, que deveria estar vinculado a políticas públicas de impacto real, se perde em um emaranhado de contratos suspeitos, obras inacabadas e transferências opacas. O STF já se debruça sobre o destino dessa dinheirama, levantando a suspeita de que não se trata de caso isolado, mas de uma engrenagem sistêmica.
E é justamente nesse ponto que a PEC da Blindagem entra em cena. Ela surge como um escudo legal para impedir que a Justiça avance sobre esses rastros de corrupção. Não é lei: é licença para delinquir. Os deputados não estão legislando em nome do povo: estão legislando em defesa de si próprios, do crime organizado e da perpetuação da impunidade. Se aprovada, essa PEC abrirá a temporada da imunidade total: qualquer parlamentar, por mais corrupto ou violento que seja, terá na Constituição o álibi perfeito para escapar da lei.
A situação da Câmara Federal é grotesca e simbólica: puxa-se uma pena e vem o galinheiro. Cada investigação sobre um parlamentar revela uma rede ainda mais extensa de desvio, compadrio e corrupção endêmica. Não se trata de casos isolados, mas de uma estrutura mafiosa que opera sob a chancela do Estado. Quadrilhas mafiosas, milicianos engravatados e operadores de caixa dois encontram no parlamento a sua trincheira. Se nada mudar, veremos a naturalização da corrupção como regra de governo e a transformação do Congresso em um bunker blindado contra a própria sociedade.
O parlamento brasileiro, que deveria ser o baluarte da democracia, se transformou em um pântano de interesses escusos. A Câmara não apenas renega sua função primordial, mas mergulha nas profundezas da desonra e da indecência. Esse processo, se não for contido, levará ao completo esvaziamento da confiança pública, à corrosão do Estado de Direito e à preparação de um futuro autoritário, onde a lei não protege o cidadão, mas os criminosos de colarinho branco.
Essa proposta é canalha, nojenta e covarde. Só poderia ter nascido da mente de “bichos escrotos que saíram dos esgotos”. A casa do povo virou abrigo para terroristas do Estado, que rastejam como vermes no lodo do corporativismo.
A aprovação de uma PEC como essa transforma o Congresso num Olimpo da impunidade, um paraíso de corruptos e covardes. Com uma diferença brutal: as máfias, ao menos, cultivavam algum código de honra. Aqui, o futuro que se projeta é ainda mais sombrio: um país onde os crimes do poder jamais serão punidos e onde a corrupção se tornará cláusula pétrea.
No coração dessa vergonha nacional, Sergipe inscreve sua própria página de desonra. Três deputados federais – Rodrigo Valadares (UB), Gustinho Ribeiro (Republicanos) e Thiago de Joaldo (PP) – votaram a favor da infâmia. Esse gesto não é apenas um voto; é uma assinatura pública em um pacto mafioso. Eles se alinham com políticos investigados por desvio de verbas, lavagem de dinheiro e corrupção ativa, tornando-se soldados de uma engrenagem que tem cheiro de máfia e lógica de quadrilha.
A diferença entre eles e o ladrão comum é cruelmente clara: o primeiro vai para a cadeia, enquanto os segundos tentam cravar na Constituição a sua própria carta de alforria. E assim Sergipe, terra pequena mas de história altiva, é arrastado para o mesmo lamaçal onde se alimenta a corrupção sistêmica do país.
Esse não é um ato isolado, mas a prova cabal de que muitos deputados não representam o povo, e sim seus próprios medos e crimes. O que está em jogo não é apenas o presente: é o futuro da democracia brasileira, reduzida a um biombo para encobrir interesses privados.
A simples discussão sobre a PEC da Blindagem ultrapassa o campo técnico-jurídico. Ela fere a essência da democracia e do Estado de Direito. A eleição não pode ser um salvo-conduto para a criminalidade. Se esse precedente se consolidar, em pouco tempo veremos governadores, prefeitos e senadores pleiteando suas próprias blindagens, até que todo o sistema político se transforme em uma fortaleza inexpugnável de privilégios.
Com essa PEC, o crime não teme a lei: a lei teme o crime. Uma sociedade que permite que seus líderes criem leis para se proteger de investigações cava sua própria ruína, perdendo a confiança em suas instituições e na noção básica de que todos são iguais perante a lei.
A “era dos gângsteres” a que chegamos não tem pistolas nem metralhadoras, mas gabinetes refrigerados, diárias parlamentares e discursos hipócritas. É a criminalidade engravatada que destrói a democracia por dentro. Se esse processo seguir adiante, a próxima década não será de avanços, mas de retrocessos: menos direitos, menos justiça, menos democracia.
Se o eleitor não reagir, a blindagem de hoje será a cela coletiva de amanhã – a cela da esperança, da justiça e da própria democracia. Porque quando a justiça morre, não há nação que sobreviva. A pergunta que fica é brutal: até quando aceitaremos ser representados por pilantras?
*Paulo do Valle é Filósofo, Jornalista, Publicitário, Radialista, Analista Político, Articulista, Critico Social, Youtuber, Editor-chefe e Apresentador do “PONTO de VISTA”.