Nota do autor: Este é meu último artigo à frente da Revista Realce. Há algum tempo não escrevia diretamente, e escolhi este momento para fazê-lo. Em breve estarei deixando também a direção da revista, encerrando um ciclo de 15 anos que muito me orgulha.
Por Anderson Rosa
Já é consenso entre analistas de estratégia que a crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos acabou funcionando como catalisador político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O tarifaço anunciado por Donald Trump, que inicialmente soava como ataque direto à economia brasileira, foi rapidamente transformado pelo Planalto em narrativa de soberania, reposicionando o governo diante da opinião pública e interrompendo o ciclo de desgaste.
Maquiavel, em O Príncipe, ensinava que os governantes devem escolher bem seus inimigos: um adversário externo pode unir a população em torno do líder, desde que ele se apresente como defensor da pátria. Sun Tzu, em A Arte da Guerra, complementa: a vitória suprema é aquela em que se usa a força do oponente a nosso favor. Lula aplicou essa lógica com precisão: ao invés de se fragilizar diante do embate com Trump, converteu o episódio em trunfo político.
Os dados (e contra dados não há argumentos) confirmam esse movimento. Pesquisas da Quaest indicam que a aprovação do governo subiu de 40% para 43%, enquanto a desaprovação caiu de 57% para 53%. Mais importante que os números brutos é a virada de percepção: em agosto, a maioria achava que Lula não se esforçava para enfrentar as tarifas impostas por Washington. Um mês depois, 51% já reconheciam seu empenho. Esse deslocamento de credibilidade é essencial em períodos eleitorais, pois fortalece a imagem de liderança ativa e resiliente.
A ciência política oferece um conceito útil para entender o fenômeno: o rally ’round the flag, descrito por John Mueller nos anos 1970 e amplamente comprovado em estudos posteriores. Ele mostra que líderes tendem a ganhar apoio popular durante crises internacionais, quando conseguem simbolizar proteção e firmeza diante de ameaças externas, como uma família que é atacada por vizinhos. No Brasil de 2025, o “efeito Trump” operou exatamente nessa lógica: a retórica dura dos EUA projetou Lula como guardião da soberania nacional.
Mais do que os números, o simbolismo importa. A troca de gestos cordiais entre Lula e Trump na ONU, após semanas de tensão, criou a encenação perfeita de firmeza seguida de conciliação. É a combinação entre o “ser temido e ser amado” que Maquiavel considerava essencial, e a demonstração de que, como ensina Sun Tzu, a melhor vitória é aquela que se conquista sem combate direto.
O que se projeta daqui até 2026 é claro: Trump, ainda que involuntariamente, tornou-se peça do jogo político brasileiro. Seu embate inicial deu a Lula um discurso mobilizador, e sua posterior aproximação reforçou a imagem do presidente como negociador de igual para igual com a maior potência do mundo. Resta saber se esse impulso será transformado em resultados concretos de economia e política social, condição necessária para que o rally momentâneo se converta em capital eleitoral duradouro.