A recente reação à campanha da Havaianas com a atriz Fernanda Torres diz menos sobre sandálias e muito mais sobre o ambiente político que o Brasil começa a atravessar rumo a 2026. Um comercial de fim de ano, com uma frase de efeito e uma linguagem típica da publicidade contemporânea, foi suficiente para acionar leituras ideológicas, mobilizar boicotes, gerar contra-narrativas e transformar uma marca em objeto de disputa política.
O episódio não é isolado, tampouco casual. Ele funciona como um sintoma claro de um país que vive uma antecipação permanente do clima eleitoral, em que praticamente toda manifestação pública passa a ser interpretada como posicionamento político. A intenção original da mensagem se torna secundária. O que importa é a leitura que determinados grupos fazem dela, quase sempre filtrada pela lógica da polarização.
A campanha escancarou um fenômeno que tende a se intensificar nos próximos meses: a dissolução da fronteira entre comunicação comercial, cultura e política. Marcas, artistas e influenciadores entram no radar do debate eleitoral mesmo quando não pretendem participar dele. O silêncio passa a ser visto como omissão; a fala, como militância. Em um ambiente assim, a neutralidade deixa de existir como opção viável.
Outro ponto revelador é a radicalização da leitura simbólica. A política já não se concentra apenas em propostas, programas ou resultados administrativos. Ela migrou para o terreno dos sinais. Uma palavra, um gesto, uma escolha estética ou até um trocadilho publicitário ganham peso político imediato. As redes sociais aceleram esse processo, transformando interpretações em verdades compartilhadas em questão de minutos. A reação passa a valer mais do que o fato. O ruído, mais do que a mensagem.
Esse tipo de dinâmica é típico de períodos pré-eleitorais marcados por incerteza, fragmentação de lideranças e disputa intensa por narrativas. Quando o cenário ainda não está completamente definido, qualquer elemento simbólico vira campo de batalha. Não se trata apenas de convencer, mas de marcar território, testar engajamento e manter a base em estado de alerta permanente.
Há também um aprendizado importante sobre o custo da comunicação em tempos de hipersensibilidade política. Em 2026, erros de leitura, excessos de linguagem ou ambiguidades tendem a cobrar um preço alto. Uma frase mal interpretada pode virar pauta nacional. Uma escolha considerada inadequada pode gerar rejeição instantânea. O ambiente digital amplifica tudo, inclusive o desgaste.
A polêmica das Havaianas mostra, ainda, que o debate eleitoral já não respeita mais calendário. Não existe mais “fora de campanha”. O país vive uma espécie de ensaio geral contínuo, no qual grupos políticos testam força, treinam mobilização e constroem narrativas muito antes da largada oficial. Episódios como esse funcionam como termômetros do que veremos em escala maior nos próximos anos.
Nada disso significa que uma campanha publicitária vá decidir uma eleição. Não vai. Mas significa que 2026 será disputada também no campo da cultura, do consumo e da comunicação cotidiana, e não apenas entre candidatos e partidos. O eleitor será impactado politicamente mesmo quando não estiver buscando política.
A lição central é simples e, ao mesmo tempo, decisiva: o Brasil caminha para uma eleição em que sensibilidade, símbolo e percepção valerão tanto quanto discurso e proposta. Quem não compreender esse novo ambiente, seja na política, no mercado ou na comunicação, entrará no jogo sem perceber que ele já começou.
Em 2026, vencerá menos quem falar mais alto e mais quem souber ler o ambiente, entender os códigos e respeitar o limite delicado entre engajar e afastar. A propaganda virou termômetro. E o clima, claramente, já está esquentando.


