Por Fernanda Souto
A violência doméstica, que muitas vezes escapa das estatísticas oficiais, revela uma face ainda mais obscura da sociedade. Por trás dos números reportados, há uma inquietante pergunta: por que a magnitude do problema pode ser muito maior do que indicam as estatísticas?
Nas entranhas desse fenômeno, especialistas destacam a subnotificação como uma das principais razões. Muitas vítimas, por medo, vergonha ou desconfiança nas instituições, optam por silenciar sua dor, contribuindo para a subrepresentação nos registros oficiais. A cultura do silêncio, por vezes alimentada por estigmas sociais, perpetua um ciclo de violência invisível.
Outro ponto de relevância é a complexidade para medir a violência doméstica em sua totalidade. Muitos casos não chegam a ser registrados, seja pela ausência de denúncias formais ou pela falta de conscientização sobre o que constitui violência doméstica. Muitas vítimas ainda não reconhecem certos comportamentos como abusivos, o que amplia a discrepância entre os números oficiais e a realidade vivida.
Embora tenhamos avançado enquanto sociedade na direção de reconhecer a violência doméstica contra mulheres como um problema público, a realidade aponta para a persistência desse fenômeno no âmbito privado no país. O Mapa Nacional da Violência de Gênero revela que, alarmantemente, seis em cada 10 mulheres que foram vítimas de violência doméstica no último ano optaram por não registrar queixas policiais.
Os números evidenciam uma lacuna significativa entre a realidade vivida e os registros oficiais, indicando que a violência doméstica continua a ser tratada, em grande parte, nos bastidores. Um dado preocupante é que três em cada dez mulheres inicialmente relutaram em reconhecer-se como vítimas, revelando violações específicas somente quando estimuladas de outras maneiras.
Estes indicadores sugerem que a extensão da violência doméstica no Brasil pode ser substancialmente maior do que refletem os registros oficiais ou mesmo que a subnotificação policial, uma vez que muitas brasileiras ainda estão passando por processos complexos e, muitas vezes dolorosos, de reconhecimento e nomeação das violências vividas.