A aprovação do regime de urgência para o PL 1904/24 na Câmara dos Deputados gerou uma onda de indignação e protestos nas redes sociais e entre especialistas. O projeto, que propõe classificar como homicídio o aborto realizado após a 22ª semana de gravidez, mesmo nos casos atualmente permitidos por lei, continua sendo amplamente criticado. Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta, destacou os graves impactos dessa medida, especialmente diante da alarmante realidade da violência sexual contra meninas no Brasil.
De acordo com a especialista, doutora em Direito Constitucional na PUC-SP, após grande repercussão negativa e manifestações contrárias nas redes sociais, a proposta pode avançar mais lentamente. “Deixar de lado é uma palavra forte, mas eu acho que a reação da sociedade civil a esse projeto, que realmente é insano, diante dos dados de violência sexual que nós temos no país contra meninas, vai fazer com que ele tenha uma outra velocidade”, afirma.
Luciana ressalta que mais de 70% dos estupros no Brasil ocorrem no âmbito familiar e muitas vítimas, ainda crianças, sequer reconhecem a gravidez no estágio inicial, resultando frequentemente em um atraso significativo na busca por ajuda: “No Brasil, seis a sete meninas são estupradas por hora. Muitas vezes, essas meninas são tão pequenas que nem sabem que estão grávidas, não entendem o que está acontecendo e só percebem quando a barriga começa a aparecer. Além disso, elas ficam sujeitas à autoridade do estuprador dentro de casa.”
Um estudo realizado no antigo Pérola Byington, hoje Hospital da Mulher, mostra que as meninas estupradas em casa frequentemente buscam ajuda para o aborto legal apenas após a 23ª semana de gestação.
Luciana enfatiza que a discussão atual do PL 1904/24 não é sobre a legalização do aborto, mas sim sobre aumentar as restrições ao aborto legal. Caso aprovado, vítimas de estupro que tentarem abortar após a 22ª semana de gestação poderão enfrentar penas de até 20 anos de reclusão. “É muito importante esclarecer sobre o que esse PL trata. Ele não está ampliando a discussão sobre o aborto, mas discutindo uma ampliação da restrição da possibilidade do aborto legal no caso de estupro,” conclui.
Apesar do regime de urgência permitir que o projeto de lei seja votado em plenário na Câmara sem precisar passar por comissões, a data ainda não foi marcada. Se aprovado na Câmara, o texto seguirá para o Senado e, em caso de aprovação, será encaminhado para sanção presidencial.